Agrotóxico: filho legítimo e reconhecido do agronegócio!

Para quem acha o agronegócio um modelo para a agricultura, José Juliano de Carvalho, professor de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), coloca-se na linha oposta, afirmando que o mesmo coloca a economia nacional subordinada aos interesses de empresas multinacionais, verificando-se esse fato em todo o modelo adotado, no uso indiscriminado de agrotóxicos, na propriedade das sementes e da terra, o que acaba por inviabilizar a agricultura familiar.

Acerca do agrotóxico na agricultura brasileira, não titubeia em denunciar: “o uso de agrotóxicos no Brasil é abusivo, exagerado e incontrolável''.

Constata estarrecido que “os agrotóxicos são usados sem nenhum controle pela sociedade brasileira. Seu uso está sob os interesses do que se chama de agronegócio”.

Além desse fato, já de enorme gravidade, na sua avaliação o que está em jogo não é apenas a inviabilização da agricultura familiar, mas a sua destruição; não apenas pelo uso abusivo e descontrolado do agrotóxico,  mas pelo conjunto do modelo do agronegócio.

Para José Juliano, que possui doutorado em Economia pela USP e pós-doutorado pela Ohio State Univesity, não existe outra medida, a não ser instituir a regulamentação do agronegócio.

“É preciso que se institua a regulação do agronegócio. Senão, pega-se um investimento público feito para a agricultura familiar ou para áreas de assentamento e deixa-se que essa área seja dominada por monoculturas ligadas ao agronegócio, com uso de agrotóxicos, transgênicos, prejudicando assim todas as pessoas que ali estão”.

Essas situações acima mencionadas já foram constatadas no Maranhão, em regiões em que o agronegócio ficou as suas garras, nas seguintes formas:

1 – o próprio IBAMA, que deveria exercer a fiscalização e o controle, já afirmou, diversas vezes em reuniões no Baixo Parnaíba, acerca da impossibilidade de controlar o uso de produtos químicos na agricultura, já tendo sido denunciado esse abuso, para não dizer crime, tanto na região do Baixo Parnaíba, quanto no Cerrado Sul maranhense e nada foi feito;

2 – no município de Buriti existe denúncia protocolada junto ao Órgão do Ministério Público, dando conta de ter havido pulverização aérea de produtos químicos, nos campos de plantio de soja, que chegou a atingir escola e residências, mesmo havendo a proibição expressa em legislação específica de que não se podem fazer pulverizações aéreas junto a cidades, rios e lagos, nem em áreas perigosas, sob determinadas redes elétricas;   

3 – em várias regiões do Estado está se disseminando essa prática de ceder área de assentamento, em regime de comodato, às empresas de plantação de eucalipto e cana de açúcar, para o plantio dessas monoculturas, desvirtuando assim o sentido dos assentamentos e inviabilizando o desenvolvimento da agricultura familiar, colocando em risco a segurança alimentar do país.

Confira abaixo a íntegra da entrevista concedida a Uol, que abaixo reproduzimos, para leitura e reflexão, com posterior partilha através dos comentários.

IHU On-Line – Qual sua opinião em relação ao uso de agrotóxicos no Brasil?

José Juliano de Carvalho – Minha atividade de pesquisa junto das populações camponesas durante muitos anos pôs-me em contato com os efeitos do agrotóxico. Mas o que importa é discutir esse modelo que se chama de agronegócio. Não se trata de uma simples técnica. É um modelo com efeitos perversos para a economia nacional, que nos faz voltar ao passado em relação à exportação de produtos primários e, o pior, com a dependência de poucas empresas multinacionais.

O agrotóxico, evidentemente, está ligado à questão das patentes e dos transgênicos. E os efeitos do enorme consumo de agrotóxicos no Brasil, que chega a 5,7 litros de veneno por habitante, estão ligados a esse modelo.

Isso tudo está dentro de uma questão maior, a questão agrária, que se caracteriza aqui no Brasil pela concentração fundiária, que está crescendo. 

Os agrotóxicos são usados sem nenhum controle pela sociedade brasileira. Seu uso está sob os interesses do que se chama de agronegócio. Olhando para o campo, veremos que há um mecanismo que torna o governo refém dos ruralistas. Neste mecanismo está embutida a própria questão macroeconômica, que tem um déficit crescente em contas correntes. Isso implica em pressão para se exportar mais commodities e o governo acaba ficando refém. 

Basta olhar para o Congresso Nacional e ver que ali há um domínio muito amplo dessas forças, que eu considero as mais retrógradas do país. Tenho visto muito a destruição e a inviabilização da agricultura familiar. Não só por causa do agrotóxico, mas pelo conjunto do modelo do agronegócio.

Um caso emblemático no Rio Grande do Sul é a detecção do agrotóxico no leite materno. A mãe, ao amamentar, envenena o filho com o próprio leite. Isso é um absurdo, um descontrole total. Minha opinião sobre o uso de agrotóxicos no Brasil é que é abusivo, exagerado, incontrolável. 

Ficou muito mais difícil para a agricultura familiar. Quando se fala em integração da agricultura familiar com a indústria, eu vejo mais uma relação de subordinação. O Brasil se sujeita a se entregar à economia mundial num lugar subalterno e sob o domínio de grandes empresas multinacionais. Elas fazem o que querem aqui, sem regulação e com domínio total. E não são punidas por seus crimes.

IHU On-Line – Então o impacto do uso de agrotóxicos pode prejudicar a economia brasileira? 

José Juliano de Carvalho – Penso que sim. E falo do impacto do pacote inteiro do modelo do agronegócio. Existe um eufemismo em torno disso, que vem dos Estados Unidos com o agrobusiness. O modelo inteiro prejudica o agrotóxico, inclusive, visto que ele está junto. É preciso que se institua a regulação do agronegócio. Senão, pega-se um investimento público feito para a agricultura familiar ou para áreas de assentamento e deixa-se que essa área seja dominada por monoculturas ligadas ao agronegócio, com uso de agrotóxicos, transgênicos, prejudicando assim todas as pessoas que ali estão.

IHU On-Line – O Brasil é um dos países que mais utilizam agrotóxicos. O que isso revela sobre a posição brasileira em relação ao futuro da agricultura?

José Juliano de Carvalho – Isso revela a subordinação brasileira na nova divisão internacional do trabalho. A nós coube voltar nossa pauta de exportação para os produtos primários, vendendo etanol, massa de celulose, soja, sempre com pouco valor agregado. Estamos nos colocando não como o país do futuro, mas como subalternos. Continuaremos sendo periferia.

IHU On-Line – Por que os países em desenvolvimento são os que mais utilizam agrotóxicos?

José Juliano de Carvalho – Porque eles são dominados pelas empresas, que têm um domínio inclusive sobre as terras. E a tática que essas empresas usam é do jogo mais baixo possível. Fazem de tudo, até suborno. Isso está ligado ao avanço do capital financeiro em todo o mundo, sendo que esses países vão perdendo a capacidade de fazer política. Eles fazem apenas a pequena política.

IHU On-Line – Quais são as alternativas aos agrotóxicos?

José Juliano de Carvalho – Nós podemos ter uso de química na agricultura, mas tem que ser um uso regulado. O que eu não vejo é alternativa ao modelo do agronegócio. Porque não é um modelo de produção, mas um modelo de domínio econômico, em que nem a reprodução das sementes é mais facultada aos agricultores. Eles têm que pagar pelas sementes e estas implicam no uso do agrotóxico X. É preciso quebrar com o poder de mercado dessas empresas. Um país como o nosso deveria regular a atividade do agronegócio, voltada aos interesses nacionais. Como se podem usar produtos que prejudicam a saúde da própria população trabalhadora?

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